sexta-feira, 12 de julho de 2013

"Blueberry, Une Légende de l'Ouest"

Capa.


Página 3.


© Arnaud de la Croix – Point Images JVDH
Ilustração original da capa: J.-F. Charles, “Hommage à Blueberry”
Ilustrações de J. Giraud © Dargaud

EDITIONS JVDH
Bruxelas, Bélgica

DCL PRINTERS
Bruxelas, Bélgica



“No acampamento, à noite, nós tivemos o descanso para refletir sobre a nossa situação e a natureza de nossos alistamentos. Nós sabemos, pelas advertências das autoridades, que nós teremos que atravessar uma região governada pelos povos selvagens, numerosos, poderosos e guerreiros, de estaturas gigantescas, ferozes, traiçoeiros, pérfidos e cruéis, e, sobretudo, inimigos dos homens brancos. A crer nos rumores, nós devemos ser igualmente impedidos da nossa marcha pelas montanhas inacessíveis ao homem. Mas, o caráter decidido e resoluto do destacamento fechou nossos corações ao medo e à inquietude...”


Extrato do diário de Patrick Gass,
membro da expedição Lewis e Clark (1804-1806)
promovida pelo Presidente Jefferson
para explorar o Oeste da América,
tradução de J. Lambert.


Trechos do livro “Blueberry, Une Légende de l’Ouest”:


1. Western

O western constitui uma forma inteira à parte, um mundo criado de todas as peças a partir de uma realidade histórica, mas um mundo doravante autônomo. O western desenrola seus meandros virtuais em nossas cabeças, no cinema, na literatura, na pintura ou nas histórias em quadrinhos. As obras de James Fenimore Cooper, de Frederic Remington, de John Ford, de Sergio Leone, de Clint Eastwood, ou essa de Jean-Michel Charlier e Jean Giraud, constituem, aos nossos olhos, quaisquer peças essenciais da matriz desse mundo que é, de pedaço em pedaço, um momento muito perto e muito longe de nós. (...)

A evanescência desse mundo, sua essência essencialmente efêmera, que as cidades-fantasmas, fervilhantes de vida ainda ontem, desertas do dia claro ao dia seguinte, simbolizam magnificamente (encontram-se quaisquer espécimes delas em "Blueberry") esse aspecto, na ocasião completamente vivo e consagrado à extinção, faz precisamente o encanto do Oeste. Isso é um paraíso, aquele da natureza grandiosa e das pulsões violentas, esquivando a todo controle, uma terra em plena pisada que se evapora.

Esse mundo mítico, essa desordem soberba, ali onde tudo parecia possível, na realidade, não termina de desaparecer. (...)

"Blueberry" representa igualmente esse aspecto essencialmente nostálgico, aquele de um mundo desaparecido, mas que não acabou jamais de desaparecer. Um mundo onde, vagueiam muitos fantasmas e onde a morte não está distante jamais. Um mundo onde, justamente por essas razões, a vida não tem preço.


2. Forte Navajo

“Vocês devem ter notado que tudo aquilo que um índio faz está em um círculo, e porquanto que o Poder do Mundo opera sempre em círculos, e tudo tenta ser redondo...”

"Élan noir parle".


Duas características marcam logo de início, com respeito à evolução da história em quadrinhos europeia à época, a série de aventuras de Mike Steve Blueberry: o tom é resolutamente adulto (aquilo que já foi visto em certos autores de "comics": referência ao "Agente Secreto X-9” de Dashiell Hammett e Alex Raymond, em 1934-1935), enquanto que a narrativa ultrapassa de longe o formato conhecido de álbum.

"À tarde, em uma pequena cidade de pioneiros na fronteira do Arizona e do Novo México."

Assim começa, em 1963, na revista "Pilote", um ciclo aventuroso que vai se concretizar por cinco álbuns de 46 pranchas cada, pelo menos: "Forte Navajo", publicado em 1965, "Tempestade no Oeste" (1966), "A Águia Solitária" (1967), "O Cavaleiro Perdido" (1968), enfim "A Pista dos Navajos" (1969). (...)


Página 22. N. C.: "Forte Navajo",
prancha 2, quadrinho 1, Charlier e Giraud.


O western é uma máquina que jamais cessa de se autoalimentar, e igualmente, que John Ford se inspirou em fatos autênticos – no final, ele indica claramente que, se a lenda, aquela de um Custer heroico, exaltação sobre a realidade, ele preferiu a lenda à realidade, conclusão idêntica àquela de "O Homem que Matou o Facínora" – quando Charlier se inspirou por sua vez na obra de Ford, ele introduziu o mito com novo aspecto. (...)

Se Charlier se inspirou claramente, nesse estágio da série, no universo fordiano, para colocar as bases do mundo de Blueberry, e em particular em "Le Massacre de Fort Apache" (N.C.: “Sangue de Heróis”, no Brasil), se ele deu à trama, cuja ele emprestou as grandes linhas, uma considerável ampliação e se ele enriqueceu pela associação de personagens secundários frequentemente complexos, eles mesmos portadores de tramas secundárias, tudo isso não seria grande coisa sem o talento gráfico de Giraud. (...)

Enfim, foi a aliança magistral entre o talento de Charlier e aquele de Giraud que fez de "Blueberry" um clássico. (...)

“Ele quase me fez ser um atleta para desenhar "Blueberry"”, disse um dia, com justiça, Jean Giraud.


3. Marshal

As bases lançadas, e a guerra indígena evitada, o Tenente se apresenta como uma respiração: um álbum "one shot" antes de entalhar um novo ciclo imponente. Logo, Blueberry sufoca-se em Forte Navajo – sinal que o personagem vai morrer em breve. Ele fica aliviado quando os habitantes de Silver Creek, onde o xerife foi assassinado por um bando sem fé nem lei, pedem a ajuda do exército. (...)

"O Homem da Estrela de Prata" (1968) (...) A trama se inspira explicitamente no filme "Rio Bravo" (N. C.: "Onde Começa o Inferno", no Brasil), realizado por Howard Hawks em 1959. E, em uma menor medida, em "Train sifflera trois fois" (Fred Zinneman, 1952) (N. C.: “Matar ou Morrer”, no Brasil), e mesmo em "El Dorado" (Howard Hawks, 1966). (...)


4. Cavalo de Ferro

“Eu sou um selvagem e eu não conheço outro modo de viver. Eu vi um milhão de bisões apodrecendo sobre a pradaria, abandonados pelo homem branco que os havia abatido de um trem que passou. Eu sou um selvagem e eu não compreendo como esse cavalo de ferro que fumega pode ser mais importante que o bisão que nós matamos para as necessidades de nossa vida.”

Carta do grande chefe índio Seattle ao Presidente dos Estados Unidos, 1854. N. C.: O chefe Seattle foi líder das tribos Suquamish e Duwamish, em terras, atualmente, do Estado de Washington, na Costa Leste dos Estados Unidos.

Jethro Steelfingers, que os Índios chamavam "Mão de Ferro", e quem dará seu título ao álbum "O Homem do Punho de Aço" (3º trimestre de 1970), aparece nas primeiras páginas de "O Cavalo de Ferro" (1º trimestre de 1970), álbum que entalha um novo ciclo de longo curso e trajeto dos mais sinuosos (...).

Para o resto, Blueberry se agita nas narrativas onde a ação reina: a cocheira, o trem, as pontes explodidas, os ataques dos índios permitem a Giraud criar tantas cenas espetaculares, que não há equivalente senão no domínio cinematográfico. Referência a "A Ponte do Rio Kwai" de David Lean, 1957, ou à fascinação pelo "cavalo de ferro" que coloca magnificamente em cena Sergio Leone com "Era Uma Vez no Oeste" em 1968, filme que precede imediatamente a realização do álbum. (...)

O terceiro volume do ciclo consagrado ao cavalo de ferro, "A Pista dos Sioux", cujo título faz eco a "A Pista dos Navajos" (...) É precisamente nessa reviravolta da narrativa que entra em cena o General Allister (...) o velho soldado, com bigode e a cabeleira loiros eriçados, adota imediatamente um tom que lembra ativamente aquele de Fonda-Custer em "Le Massacre de Fort Apache". Ele veio, segundo a si próprio, caçar o pele-vermelha, a fim de que seus méritos militares sejam enfim reconhecidos com seu justo valor. (...) Como o Custer de Ford, ele é importunado pela etiqueta e recusa receber Blueberry (...).

O General Cabeça Amarela vai à guerra! O quarto e último álbum, do segundo ciclo da saga, se apresenta sobre uma repetição da mecânica já desenvolvida pelo ciclo precedente: os "maus caras-pálidas" prejudicam os índios, esses respondem atacando os interesses americanos, e o Exército dos Estados Unidos se mobilizou para derrotá-los no primeiro ciclo, os "maus índios" têm massacrado os colonos, um militar revidou atacando aos "bons índios", esses se mobilizaram para revidar e o Exército se preparou para esmagá-los. (...)

Enfim, particularidade visual, "General Cabeça Amarela" ergue aquilo que a crítica de cinema Clélia Cohen chamou "o western branco", se desenrolando inteiramente na neve. No cinema, referência ao admirável “Grand silence” (N.C.: "O Vingador Silencioso", no Brasil) de Sergio Corbucci (1968), onde a neve encobre a paisagem e abafa os sons, tanto que Jean-Louis Trintignant, que encarna o surpreendente "grande silêncio" em questão, não pronuncia jamais uma palavra – suas pistolas falam por ele. Nas histórias em quadrinhos, "Tintin no Tibete" (1960) já atacou com sucesso esse registro, paradoxal para uma arte visual, da onipresença da cor branca.

As últimas pranchas do álbum participam de um suspense insustentável: os índios parecem vencedores – isso que historicamente se passou na Batalha de Little Big Horn – quando os operários armados e liderados pelo General Dodge, conduzidos por Red Neck, sob ordem de Blueberry, irrompem e salvam, no último momento, a coluna de Allister (...)


5. Montes Superstição

“Para o primeiro ouro que eles encontravam, fruto de alguns dias de trabalho, eles se surravam e se matavam.”

J. O. Curwood
"Les Chasseurs de loups", 1908.



A proposta de Jean-Michel Charlier é diferente com o díptico dos "Montes da Superstição". A febre do ouro, um dos componentes essenciais do western e do Oeste histórico – “O ouro, em nossa civilização, é a lei suprema e todo-poderoso”, afirma Rod no romance de Curwood -, se encontra dessa vez no coração da trama.

É ela que faz de Jimmy Mc Clure (retornando ao que ele foi, de entrar em ação qualificado de "prospector") um traidor: ele decide abandonar seu amigo Blueberry, outra vez destacado como marshal em uma pequena cidade da fronteira do Oeste, em 1868, para seguir o aventureiro von Luckner, o qual se dispõe sobre a pista de uma fabulosa mina de ouro.

Antes que no Grande Deserto Branco amado por Curwood, é em um deserto seco e ardente que se situa dessa vez a ação. A mina, aqui é aquela do "Alemão Perdido", cujo nome foi mencionado na última prancha do álbum "Forte Navajo" (quadrinho 4). (...)

Nova ocorrência, completamente espetacular nessa ocasião, de uma cidade-fantasma (em "A Pista dos Navajos", nós encontramos a cidade de San Felice, já abandonada uma vez esgotada a mina contígua). Reina sobre o conjunto do díptico, composto por "A Mina do Alemão Perdido" (1º trim. 1972) e "O Espectro das Balas de Ouro" (3º trim. 1972), uma atmosfera pesada, ameaçadora, devido à periculosidade dos protagonistas (o caçador de recompensas, o falso Luckner, o "espectro" macérrimo), à traição surpreendente de Mc Clure, ao clima fantástico que cobre os "montes da superstição", como os índios chamavam-lhes.

A aldeia pueblo abandonada, o poço profundo e a magia xamânica trazem uma tonalidade nova, à beira do paranormal, inusitado até ali na série. Se Charlier transpôs, de forma magistral, um certo número de elementos de roteiro que ele emprestou de Curwood – notadamente deixando seu espectro vivo no local da mina após seu "assassinato", isso constitui um final mais empolgante que as idas e vindas do John Ball, entre selvageria e civilização, de Curwood -, Giraud teve aqui uma participação especial.

Jean Giraud pode denunciar que a visão do western de Peckinpah e de Leone o tem marcado profundamente, e isso sente mais que nunca, os cenários, os rostos com hachuras, barrancos, gravuras realmente alucinantes, e as sombras projetadas, no lugar tenebroso da caverna, onde uma câmera secreta cava ainda a rocha em profundidade, o lagarto venenoso que flutua em uma jarra, tudo isso ele nos revela, assim como o corpo esquálido do espectro das balas de ouro e o cadáver do xamã. Ele não declarou ter marcado igualmente até o roteiro com sua influência?

Sua "fuga" para o México, que explica porque Jijé retomou a arte anteriormente, foi a ocasião para ele de uma experiência com os cogumelos alucinógenos. (...) Isso é em todo caso o clima "mágico", o qual cobre progressivamente o díptico, no entanto sem romper com o realismo, que de fato é um dos vértices da saga.


6. Chihuahua Pearl

Com "Chihuahua Pearl" (1º trimestre de 1973), a saga de Blueberry toma um novo rumo. A capa do álbum fará história: um grande zoom, pela primeira vez na série, algo completamente inusitado à época, mas largamente praticado depois. E, aqui mais então, o retrato de uma mulher, muito sexy, a pérola de Chihuahua em questão. (...)

O enredo é importante: nada menos que o mítico tesouro dos Confederados, tesouro cuja procura movimentada é pretexto a um novo e longo ciclo que se estende por três álbuns e 154 pranchas.

O épico e vistoso filme de Sergio Leone, "Três Homens em Conflito" (1966) é saudado como um western redefinindo o gênero, que deveria influenciar tanto Sam Peckinpah quanto Quentin Tarantino, esse filme, que narra igualmente a procura, dessa vez em plena Guerra de Secessão, de um enorme legado, constitui sem dúvida a influência preponderante aqui.

O cinismo dos personagens, a violência onipresente, o enquadramento muito estreito, íntimo, alternando com longos planos, épicos, e até a limpeza um tempo adotada por um Blueberry penteado e mais profundo, tudo indica que deixamos a zona de influência do cinema fordiano para entrar com os dois pés no Oeste "italiano" de Leone. (...)


Segundo episódio do ciclo, "O Homem que Valia 500.000 Dólares" (3º trimestre de 1973). (...) uma criatura surpreendente: Chihuahua Pearl (...) A aparição dela, somente na 39ª prancha do álbum homônimo, constitui um verdadeiro choque visual. Na cena enfumaçada do saloon local (...) apertada em um maiô que não esconde nada de suas formas agradáveis, as coxas exageradas e desnudas e os seios proeminentes, isso é uma bomba sexual; a virtude, nesse meio tempo, imaculada. (...) logo, uma provocadora magnífica e intocável: tipo de mulher novo na Bande Dessinée franco-belga da época – mas já bastante presente nos "comics" americanos: referência aqui à perturbadora "Dragon Lady" ou a sexy "Male Call" de Milton Caniff, sem falar nas elegantes quanto esculturais heroínas de Alex Raymond. (...) Somente "Barbarella" (...), "Jodelle" (...) ou “Valentina” (...), na Itália, se apresentam à época como mulheres atiçando o desejo na história em quadrinhos europeia, criaturas confinadas ao registro da HQ "adulta". (...)




Página 62. N. C.: À esquerda: Jayne Mansfield em "Apuros de um Xerife". À direita: Chihuahua Pearl em "Chihuahua Pearl", prancha 39, quadrinho 9, Charlier e Giraud.


A ação, que se desenrola no México, não é muito indiferente a westerns chamados "spaghetti", rodados na Espanha, dos anos 1960 aos anos 1970, são criticados por se desenrolar na fronteira mexicana, com os figurantes ibéricos pouco morenos, na poeira e ao sol. (...)

A capa do segundo álbum do ciclo, "O Homem que Valia 500.000 Dólares", responde com em espelho à capa de "Chihuahua Pearl". Giraud se utilizou uma nova vez de um grande plano, mas sobre o rosto de Blueberry nessa vez: se a mulher ocupou todo o espaço e se apresentou, frontalmente, rosto na câmera, ele, "o homem", se encontra de perfil, em uma atitude defensiva, refugiado atrás de uma vidraça quebrada, à espreita, o cano do colt de seis tiros apontado. Essa é uma imagem extraída de "Train sifflera trois fois" de Fred Zinneman, onde Gary Cooper ocupa a mesma posição, nisso muito que Blueberry e seu entorno afetam doravante o estilo "mud and rags", lama e trapos, que marca o western à italiana (e devia influenciar em retornar o cinema hollywoodiano). (...)

O terceiro e último episódio do ciclo, "Balada por um Caixão" (1º trimestre de 1974), se entalha sobre 62 pranchas e é precedido por um longo texto, ilustrado por fotografias de época, onde Jean-Michel Charlier se esforça em resumir a carreira de Blueberry até aqui, após explorar sua infância e sua juventude, em particular aquela da Guerra Civil. (...)

O prólogo desse álbum é importante a outro título: o roteirista fez mostra de sua pesquisa de documentação, de seu conhecimento do Oeste histórico, mas, sobretudo, ele manifesta sua ambição. Ao descrever Mike Blueberry como um ator, ignora completamente o essencial, da História da Fronteira, ele se utiliza de identificá-lo nessa mesma História: “Ele faz um pouco a epopeia do Oeste, nele tudo é único...”.

Semelhante programa é digno de um Ford (ver, por exemplo, sua "trilogia da cavalaria") ou de um Leone, que tentam reunir na obra deles, aquela cinematográfica, a essência genuína do mito do Oeste (...).

Paradoxalmente, após tal declaração de intenção, esse terceiro e último álbum do ciclo, que nós nos propusemos intitular "Chihuahua Pearl" (porque é ela, a pérola, o verdadeiro tesouro), se demonstra ligeiramente decepcionante. (...)

Um sentimento de depressão, de vacuidade, de obscuridade, mesmo quanto a "esse mundo desgraçado" (a expressão é tirada da boca de Red Neck). Pearl, ela própria se diz "fudida!... lascada!". (...)

Com esse ciclo, cuja conclusão muito sombria seria impensável devido os episódios precedentes, a saga teria uma virada considerável: o mundo até ali "justo", da autoridade, se revela no presente uma máquina de moer os indivíduos que a servem.


7. Fora da Lei

O díptico, composto pelos álbuns intitulados "O Fora da Lei" (4º trimestre de 1974) e "Angel Face", foi diretamente seguido ao ciclo Chihuahua Pearl. Blueberry, aprisionado na dura penitenciária de Francisville, desesperado por jamais poder fugir, vai se encontrar no coração de uma nova maquinação política. Kelly, diretor da penitenciária, manipulando Blueberry, o conduzirá diretamente ao famoso tesouro dos Confederados.

Portanto, isso não é nada: as três últimas pranchas do episódio revelam um objetivo totalmente diferente, nada menos que o assassinato do General Grant, vencedor da Guerra de Secessão e Presidente dos Estados Unidos. Blueberry fará, nesse contexto, um culpado ideal, "disposto a tudo para se vingar de uma condenação que ele considera como injustiça" (...).

O jovem e belo Marmaduke O’Saughnessy, aquele "cara de anjo", que acompanha o ex-Tenente em sua fuga, se revela um temível assassino de aluguel, precisamente encarregado da execução do Presidente.

Se, durante vários anos, de 1969 a 1974, Giraud praticou um ritmo de trabalho propriamente infernal e permitiu assim a publicação de dois álbuns da série por ano, ele vai progressivamente se libertando daquilo que ele mesmo denominou "as correntes de Blueberry".

No 1º trimestre de 1975, a Dargaud editou, como para manter o ritmo de lançamento ao qual havia se acostumado o público, um volume intitulado "A Juventude de Blueberry", reeditando na realidade as breves histórias lançadas nos primeiros "Super Pocket Pilote". Dado que os dois volumes do mesmo tipo saem em 1979, parece mais lógico aproximar completamente esse conjunto de uma peça, e de abordar antes o episódio que dá sequência a "O Fora da Lei" e sai no 3º trimestre do ano de 1975: "Angel Face".

A comicidade das aparências prossegue, e o estilo de Giraud se faz mais caricatural que nunca (personagens arredondados, formas esticadas e erudição desenvolta não advêm sem recordar o traço de Mœbius), exceto o desenho dos protagonistas principais (o herói, bem entendido, mas também Blake, Angel Face, General Grant... conservam uma aparência realista). (...)

Richard Nixon, ele mesmo, parece aparecer no ambiente social do Presidente Grant (pranchas 27, 41) e pertencer ao primeiro círculo dos conspiradores anônimos (prancha 19): o sucessor de Kennedy, eleito à presidência em 1968, reeleito em 1972, apresenta-se muito concreto, aos olhos de uma boa parte da opinião pública europeia (e da esquerda americana), como o "mau" da época.

Mas ainda, o assassinato de JFK, muito mais que o precedente histórico lembrado pelo álbum, o assassinato de Lincoln, nos parece achar uma ressonância no presente díptico. A entrada de Grant em Durango evoca ativamente a sensação da chegada do cortejo presidencial a Dallas, em 1963, fez mesmo um suposto atirador agir sozinho, e Blueberry, no acontecimento, foi destinado a ocultar o complô tramado até no círculo presidencial, tudo isso reenvia a um crime político que marcou, para não dizer traumatizou, os Ocidentais à época... e constitui até hoje um enigma histórico. (...)

Abordando, com virtuosidade, o "thriller" político próprio ao seio do universo do western, onde muitas das possibilidades restam abertas, a dupla Charlier-Giraud cedo mostra que o gênero pode ter poderosas ressonâncias com a atualidade. (...)


8. A Juventude de Blueberry

Os três volumes, reagrupando cada um três histórias curtas de uma quinzena de pranchas, consagrados à juventude do herói, e publicados em 1975, depois em 1979, não foram inicialmente destinados a sair nessa forma: eles tratam de reprises, aumentadas ao formato dos álbuns clássicos, de episódios publicados primeiramente no formato de bolso.

Esses álbuns permitem somente assegurar a presença de novidades no mercado, pois Jean Giraud, à época, se dedicava essencialmente aos trabalhos que ele assinava com o nome de Mœbius ("A Garagem Hermética", em particular, chamado também "Major Fatal", longo roteiro improvisado com quase 150 pranchas, publicado na revista "Métal Hurlant" ao longo desses anos).

No entanto, esses álbuns, imediatamente adotados pelo público, não seriam sem interesse, longe disso. Graficamente, a princípio: se as cores, uma vez aumentados, excedem muito mal no primeiro volume (os dois seguintes são beneficiados por uma coloração nova, adaptada ao aumento das pranchas), o desenho, ao contrário, tem suas promessas não obstante a mudança de formato. Foi um teste sem perdão: um desenho, até o presente em um formato diferente daquele ao qual ele foi inicialmente destinado, revela geralmente suas fraquezas. Aumentado, as imperfeições se desenvolvem. Reduzido, ele torna-se ilegível. (...)

Foi exatamente isso que se passou no caso presente: o traço de Gir, conquanto traçado com pressa para uma publicação no formato de bolso, precisamente parece "arremessado" nessas histórias, o desenho que se desenvolve ali é um tanto quanto bruto, não lapidado. As linhas são frequentemente apenas sugeridas, elas ziguezagueiam e movimentam-se como nunca. Com esses álbuns, onde se aproxima do rabisco, do esboço, logo, do traço no estado inicial, surpreendentes em sua liberdade nativa. "Traço" significa, em arquearia, a flecha quando ela corta o espaço, traça uma trajetória efêmera, de cuja memória só reside precisamente no alvo atingido.

Do ponto de vista do roteiro, esses três álbuns têm igualmente bastante importância: pela primeira vez, no campo da Bande Dessinée franco-belga, eles exploram a passagem de um herói, método de trabalho que será frequentemente emprestado a seguir. Sem contar que eles entram em ressonância com o objetivo da saga. (...) o prólogo do álbum "Balada para um Caixão" (...).

O Oeste se inquieta por um mito, no sentido da palavra, no qual os heróis são igualmente míticos. Todo o esforço da dupla Charlier-Giraud constitui em fazer entrar Mike S. Blueberry no interior desse mito: "Ele conheceu Buffalo Bill e o velho Kit Carson (...) Ele perseguiu Butch Cassidy e, nos seus últimos dias, comanda a "Legião Estrangeira Americana"", escreveu Jean-Michel Charlier. Sem contar que à data de 1861, ele tinha então dezoito anos, conheceu os horrores da Guerra Civil, historicamente a primeira guerra moderna, pelos efetivos mobilizados, a utilização da indústria (couraçados, minas e torpedos empregados pela primeira vez) e o número de mortos (617.000)...

A primeira das três narrativas reunidas no álbum intitulado "A Juventude de Blueberry" (1º trimestre de 1975), "O Segredo de Blueberry", estreia em uma ambientação digna da propriedade de Tara, que coloca em cena a obra-prima cinematográfica produzida por Selznick, "...E o Ventou Levou" (1939) (...) (...) "A Ponte de Chattanooga" (...) 1862: em "3.000 Mustangs" (...)

Em "A Cavalaria Rumo à Morte", primeiras das três narrativas reunidas em "Um Ianque Chamado Blueberry" (1º trimestre de 1979) (...) Como em "...E o Vento Levou" (...) "Private M. S. Blueberry" ("Soldado de 2ª Classe Blueberry") (...) "Caça ao Homem" (...)

O terceiro volume contendo a juventude de Blueberry, "Cavaleiro Azul" (4º trimestre de 1979), se abre com uma narrativa novamente intitulada "Caça ao Homem" (...) O episódio seguinte, "Jogo Duplo", sem dúvida o mais sucedido do ciclo, se desenrola no outono de 1863 (...) O verdadeiro General Dodge, furioso, acerta uma muleta, em cheio, no rosto do herói, isso explica o nariz partido dele... (...) Uma última e curta narrativa, "Tempestade na Sierra", assinada só por Giraud (...)


9. Nariz Partido

“De todas as criaturas, as mais dignas de atenção são os pássaros; eles são os mais próximos do céu e não são presos à terra como os quadrúpedes ou os pequenos povos rastejantes.”

Héaka Sapa,
"Les Rites secrets des Indiens Sioux".


Foi no primeiro trimestre de 1980, ou seja, mais de quatro anos após a publicação de "Angel Face", que saiu "Nariz Partido". O álbum marca o retorno esperado do personagem Blueberry, que escapou com certeza da explosão da locomotiva do trem presidencial... Sua cabeça está colocada a prêmio: 50.000 dólares a quem trouxer, morto ou vivo, o ex-Tenente que tentou assassinar Grant.

Sobre sua pista, o elegante Wild Bill Hicock (...) Aqui Hicock, (...) Essa maneira de proceder não é gratuita, ela realça uma estratégia narrativa: colocando mal um clichê, Charlier e Giraud tentam nos fazer acreditar – como todos os grandes criadores de westerns, referências a Ford, Leone ou Peckinpah – que o Oeste que eles colocam em cena, além das lendas, é o verdadeiro.


Blueberry passou para o lado dos Navajos. O ex-Tenente está enamorado da própria filha de Cochise, a bela princesa Chini (...) Logo, acusado de traidor pelos jovens guerreiros por causa de seu pacifismo, Blueberry, que os Índios chamam de Tsi-Na-Pah (Nariz Partido) (...)


Página 92. N. C.: "Nariz Partido",
prancha 21, quadrinho 6, Charlier e Giraud.


A situação do herói nesse novo ciclo - em cujo o traço de Gir se faz resolutamente "mœbusiano", serve para uma colorização diferente, uma paleta de tons pálidos e ocre, sobre os quais se destacam, às vezes, os detalhes monocromáticos (o rosto vermelho de Vittorio) – essa situação carrega indubitavelmente o vestígio dos westerns pró-índios que, nos anos 1970, têm sucedido a moda italiana, em particular "Um Homem Chamado Cavalo" de Elliott Silverstein (o gênero deveria culminar em 1991 com a obra-prima de Kevin Costner, "Dança com Lobos") (...)

Esse foi o momento que escolheu Jean-Michel Charlier, que foi, em 1959, um dos fundadores da revista "Pilote", para deixar, com o conjunto de suas séries, as edições Dargaud: os cinco álbuns seguintes da série saíram por outras editoras (Edi3-BD, depois Hachette e Novedi, por fim Alpen). Essas questões editoriais não impedem "A Longa Marcha" de sair no 4º trimestre de 1980: os autores parecem então ter reprisado o ritmo antecessor. (...)

Após esse episódio de transição, todavia conduzido com o tambor batendo e desenhado com uma rara virtuosidade (...) "A Tribo Fantasma", que saiu em 1982, apenas mais de um ano depois, não faz quase nada para evoluir os fatos. (...)

Blueberry decide jogar sua "última cartada": (...) O álbum é publicado no final de 1983, somente dois anos após o precedente: o ritmo de publicação do ciclo, intenso na estreia, diminui mais e mais, enquanto nascem e rapidamente crescem os boatos de encerramento da série... mantidos pelos títulos dos últimos volumes, com conotações preferencialmente mórbidas ("A Tribo Fantasma", "A Última Cartada", e em breve "O Fim da Pista"). Sombrios pressentimentos, que devem acontecer em seguida, pelo menos em parte, justificados.

"A Última Cartada" surpreende graficamente: o traço está mais "mœbusiano" que nunca. O realismo erudito cede normalmente o lugar a um cenário estilizado, enquanto que a colorização, cujo autor é pela primeira vez conhecido (Fraisic Marot é discretamente creditado no primeiro quadrinho do álbum), destaca-se firmemente dos outros volumes da série (...).

O ex-Tenente (...) que ele alcance "O Fim da Pista". O álbum que leva esse título saiu finalmente em setembro de 1986, somente mais de três anos do volume anterior. A expectativa do público, à época, não foi inútil: ele se trata de um episódio magistral, que reata com as receitas experimentadas há pouco tempo. Ação, reviravoltas, lances de teatro e suspense final "insustentável" se sucedem sem o menor tempo perdido.

O grafismo é novo, dessa vez violento, erudito e preciso, do Jean Giraud da grande época (aquela, por exemplo, do díptico dos Montes Superstição). A colorização, assinada por Janet Gale (cujo nome figura dessa vez na página de título do álbum), reata igualmente com os pardos e os ocres que dão o charme "empoeirado" do Blueberry influenciado pelas "italianadas" de Leone à data do Ciclo do Cavalo de Ferro.

Em "O Fim da Pista", o acerto de contas de Jean-Michel Charlier (...),  Blueberry, pelo saldo de toda conta, não é somente reabilitado por Grant, restabelecido em sua patente, mas o Presidente, paternal, concede o ouro de Vigo "a título de indenização". O Tenente empenha-se em reparti-lo com seus dois velhos cúmplices, Red Neck e Mc Clure.

Ao fim da pista, após cinco álbuns totalizando 230 pranchas, Nariz Partido é reintegrado, portanto, ao Exército: ao renegado refugiado entre os índios a justiça, aquela que ele pretendia mais do que tudo, era finalmente restituída (...).

O fim dessa busca, dolorosa, resultado de provas, aparece como uma condição de acesso à idade adulta. Blueberry, enfim reabilitado, poderia agora partir ao encontro da mulher que ele queria esposar, Pearl.


10. Arizona Love

Foi em outubro de 1990, somente um pouco mais de quatro anos mais tarde, que saiu o "one shot" dedicado aos amores tumultuosos de Blueberry e de Pearl. Jean-Michel Charlier, que deixou várias centenas de roteiros de História em Quadrinhos, de telefilmes, também uma série de excelentes pesquisas televisas consagradas a alguns dossiês negros da História contemporânea (a máfia, a guerra secreta do petróleo...), morreu em 18 de julho de 1989. Giraud conduz então a seu termo o roteiro deixado inacabado por seu autor e isso foi, de primeira, um golpe de mestre.


"Arizona Love" constitui uma nova torcedura ao sacrossanto formato clássico das 46 pranchas, pois ele comporta dez a mais. O letreiro da capa, porquanto o título "Blueberry", que ignora, pela primeira vez, deliberadamente o lugar, portanto, desencontra do "Tenente", assim como as páginas de proteção – uma "fotografia" desenhada colocando em cena o herói, cerca de 1901, entre os Índios Hopi -, tem o objetivo de romper por uma parte com o passado, deixa em todo pressagiar que esse é um Blueberry diferente daquele em questão. E, outrossim, a ele um futuro: o primeiro quadrinho do álbum indica que a ação se desenrola em julho de 1889 no Novo México (chamada, um século antes, da data de falecimento de Charlier?), enquanto que a "foto" das páginas de proteção anuncia que em 1901, Blueberry está sempre ali (foi uma maneira de fidelidade ao prólogo de Charlier em "Balada para um Caixão", que faz morrer seu herói em 1933). (...)


Página 104. N. C.: Blueberry e Pearl em "Arizona Love",
página 12, quadrinho 6, Charlier e Giraud..


O fim do álbum, em cujo o grafismo une pela primeira vez, de modo completamente convincente, a estilização própria de Mœbius, no qual a virtuosidade maneja continuamente a caricatura, e o realismo erudito de Gir, anuncia uma nova maneira de conduzir a trama.

Blueberry, bêbado, intervém, de modo inesperado, e quase invisível, para solucionar o conflito em curso: ele assume o papel de Stanton, que queria matá-lo, recoloca a mão no alforje contendo a bolada, sem que Pearl perceba nada – isso significa que nós, leitores, nessa sequência final, nos encontramos no lugar da jovem mulher, porque não vemos igualmente a luz... Após o quê, a heroína, nós podemos doravante dar a ela esse título, se enfia no trem de Stanton, enquanto que o cavaleiro solitário, (...) assiste a partida, em sua sela, do comboio dos "civilizados". Ele continua um homem da Fronteira.


11. Mister Blueberry

Por que a dissimulação? É especialmente difícil pegar a caneta para falar do último ciclo, último até hoje, da saga de Blueberry. Esse trabalho de 10 anos, entalhado em cinco volumes, cujo último ainda está "quente", constitui uma obra-prima inesperada: se Giraud havia acabado com brio o álbum "Arizona Love", nada nos contradiz que ele foi capaz de prosseguir, à sua virtude, o herdeiro de Charlier, isto é, o levar "mais longe", como em cada um dos álbuns precedentes da série, realizados em dupla, havia feito evoluir os fatos. O Blueberry de Giraud sozinho, é diferente, permanece precisamente por essa razão fiel à audácia característica, a cada vez renovada, da saga. Com o díptico dos Montes Superstição, ele se aloja sem dúvida no outro vértice do conjunto. Um novo prumo: Senhor Blueberry, assume, em julho de 1881, plenamente sua maturidade.

Na estreia, no álbum intitulado "Mister Blueberry" (lançado em 1995, somente cinco anos após "Arizona Love"), o nosso herói se apresenta como um "gambler", o jogador de pôquer à mesa no fundo de um saloon (...) sua situação mudou: ele está rico no presente, rico desse "tesouro" duramente conseguido por ocasião das aventuras anteriores, e ele parece não precisar mais trapacear para ganhar. Ele adquiriu a idade adulta (...) não tem precisamente mais nada a provar.

O contexto, além disso, é particular: encontramo-nos em Tombstone – pedra tumular -, uma cidade que marcou a lenda do Oeste, porquanto ela ficou conhecida pelo famoso duelo entre os irmãos Earp e os Clanton (N.C.: os irmãos McLowery também participaram do enfrentamento). (...)

O golpe de gênio de Giraud, nesse ciclo, foi haver criado, como ele mesmo disse, uma "história dupla": Blueberry, ferido à morte e acamado no final do primeiro volume, confia ao jornalista James Matthew Campbell – de cujo as iniciais, destacadas, são aquelas de Jean-Michel Charlier (N.C.: Na história, é John Meredith Campbell) – um episódio chave de seu passado, situado justamente antes que ele chegue a Forte Navajo: seu encontro com o chefe índio Gerônimo, atormentado pela Cavalaria dos Estados Unidos, depois da libertação do filho desse último (narrada no álbum "Dust", publicado em 2005), educado à força em um orfanato em cujo se trata de integrar os jovens Índios à civilização ocidental (assimilação forçada efetivamente levada por diferentes missionários no Oeste histórico). O segundo pano da história, sabiamente diluído, é o mítico duelo em cujo se vê enfrentar os mantenedores da ordem e do Bem – Wyatt e seu clã – e aqueles da desordem e do Mal – os Clanton, aqui abrigados por uma Ma Clanton, única, que não passa sem lembrar a Ma Dalton de Morris e Goscinny.

No volume intitulado "O. K. Corral" (2003) subsiste um personagem de "serial killer" ao pé da letra: portando o nome de Johnny Ringo, modelo que evoca a mitologia do "western spaghetti", ele caracteriza-se de índio para trucidar uma jovem mulher que, uma nova vez, aparece no ciclo como a substituta de Chihuahua Pearl: a cantora Dorée Malone, vedete sexy do saloon de Tombstone onde Blueberry joga pôquer. A alusão é clara aos romances de John Harris, o autor de "Silence des agneaux" (N.C.: "O Silêncio dos Cordeiros"), pois o assassino em questão se dá por um canibal a serviço de seu "pai", o "Dragão Vermelho". Blueberry, no final, convalescente, em pé, colocará fim nas obras desse monstro.

Mas, entrementes, parecerá a cada um que a cidade, onde o herói, que nós temos dado a nossa confiança, põe a pique os dias tranquilos, está, também, como ele disse no álbum "Dust", “uma antecâmera do inferno” e “como um navio que faz água”. Nesse contexto singular, os irmãos Earp e seu cúmplice Doc Holliday, a bela Dorée Malone e Blueberry. titubeante e heroico, igualmente a seu amigo ambíguo, o "selvagem" Gerônimo e o filho desse último, aparecem como ajudantes de humanos corajosos frente ao Mal, que encarna doravante o ignóbil banqueiro Strawfield.

Esse último, após haver estimulado, instigado e manipulado todos os perversos locais, se apressa em deixar a cidade antes do confronto final... Frente a esse monstro respeitável, muito mais perigoso, no fundo, do que o assassino canibal Johnny Ringo, Dust, cujo nome verdadeiro é Natché, o filho de Gerônimo, sem diferença de Billy, o jovem assistente do jornalista Campbell, aparecem, para terminar, como as esperanças, tanto do lado índio quanto ocidental, de uma humanidade melhor por advir. E por que não?


Fontes

1. Blueberry

Jean-Michel Charlier e Jean Giraud:

N. C.: 22 álbuns da série "Blueberry" – o autor escreve sobre o volume “Le Piste des Sioux” ("A Pista dos Sioux"), mas não o cita na bibliografia - e os três primeiros álbuns da série “La Jeunesse de Blueberry” ("A Juventude de Blueberry") - título, local, editora, data.

Jean Giraud:

N. C.: Os cinco episódios do ciclo O. K. Corral (ou ciclo Mister Blueberry, ou ciclo Tombstone).

Blueberry’s.


2. Outras fontes

N. C.: 22 livros sobre a História do Oeste, entre os quais "Élan noir parle".


3. Entrevistas de Jean Giraud


N. C.: Cinco entrevistas, incluindo "Entretien avec Jean Giraud", de Daniel Pizzoli em "Il était une fois Blueberry" (livro lido e elogiado por Arnaud de la Croix, após ter concluído o seu ensaio).


4. Filmografia

Os diferentes filmes citados ao longo desse ensaio são editados na forma de DVD.

A série televisa "Deadwood", criada por D. Milch e produzida pela HBO (2004-2006), que renova ainda uma vez o gênero reputado moribundo do western, parece apresentar alguns argumentos afinados com o ciclo Tombstone de J. Giraud (ver em particular o personagem do jornalista e, em menor medida, aquele do médico). Giraud seria muito malvisto se entendesse de fazer a censura aos realizadores.


Agradecimentos

A M. e J.-F. Charles, Derib, R. Follet (por Remington), Y. Swolfs (por “Le Grand silence”), cada um que me tem aberto preciosas pistas.

A M.-F. Walravens, por haver decifrado e assegurado a datilografia de meu manuscrito. A E. Scavée e M. Sauvage, por havê-lo corrigido.

A J.-Cl. Lalanne, o primeiro a ter aberto os meus olhos sobre a obra de John Ford.

E a Isabelle.


Contracapa. N. C.: Desenho de Jean Giraud.

Texto da contracapa:

Uma abordagem nova de uma das grandes sagas da HQ franco-belga: como Jean-Michel Charlier e Jean Giraud tiveram bom êxito ao fazer entrar um cowboy de papel na lenda do Oeste.

Arnaud de la Croix, por muito tempo colaborador de “Cahiers de la Bande Dessinée”, atualmente ensina a História da Ilustração e da BD no Instituts Saint-Luc de Bruxelas. Igualmente, ele é editor na Casterman.


Ficha técnica

Blueberry, Une Légende de l’Ouest
(N. C.: “Blueberry, Uma Lenda do Oeste”)
Texto: Arnaud de la Croix
Capa: ilustração original de J.-F. Charles, “Hommage à Blueberry” (N. C.: “Homenagem a Blueberry”)
Contracapa: Mike Blueberry e Chihuahua Pearl se beijando, por Jean Giraud, em "Arizona Love", página 12, quadrinho 6
Ilustrações: Jean Giraud – em preto e branco: nove extraídas da série "Blueberry" e uma da série "La Jeunesse de Blueberry" ("A Juventude de Blueberry")
Data de lançamento: novembro de 2007
Número de páginas: 128 (sem incluir capa e contracapa)
Gênero: Western
Formato: 12,0x20,0 cm
Preço: 14€
Point Image – JVDH, Bruxelas, Bélgica

A série "Blueberry" foi criada por Jean-Michel Charlier e Jean Giraud.



"Blueberry, Une Légende de l'Ouest", terceiro livro, da esquerda para a direita, em parte da minha BDteca/gibiteca.

Os ciclos e os seus personagens principais – incluindo o Tenente Mike Steve Blueberry:

Forte Navajo: Coronel Dickson, Tenente Graig, Bascom, Cochise, Miss Dickson, Crowe, Quanah ("Águia Solitária"), Jimmy Mc Clure, O’Reilly;

Marshal: Jimmy Mc Clure, irmãos Bass, Dusty, Miss Katie Marsh, Buddy;

Cavalo de Ferro: Jethro Steelfingers ("Mão de Ferro", "O Homem do Punho de Aço"), Guffie Palmer, General Dodge, Jimmy Mc Clure, Red Neck, Nuvem Vermelha, Touro Sentado, General Allister (General "Cabeça Amarela");

Montes da Superstição: Jimmy Mc Clure, Gustaaf Hazel (o falso von Luckner), von Luckner ("O Espectro das Balas de Ouro"), "medicine man" Índio, os caçadores de recompensas;

Chihuahua Pearl: General Mc Pherson, Red Neck, Jimmy Mc Clure, Finlay, Kimball, Comandante Vigo, Governador Lopez, Chihuahua Pearl, Trevor, Bodoni, Doc;

Fora da Lei: Kelly, Presidente Grant, Marmaduke O’Saughnessy ("Angel Face"), Blake, Guffie Palmer;

A Juventude de Blueberry (N. C.: Os três álbuns de Charlier-Giraud): Morton, Harriet, General Lee, General Dodge, irmãos Dawson;

Nariz Partido: Wild Bill Hicock, Cochise, Vittorio, Tolson, Chini, Tsi-Na-Pah ("Nariz Partido", Blueberry), Jimmy Mc Clure, Red Neck, Lily Calloway/Chihuahua Pearl, Duke Stanton, Eggskull, Governador Vigo, Lulu Belle, Presidente Grant, Angel Face, General Allister, Blake;

Arizona Love: Pearl, Duke Stanton;

Mister Blueberry: irmãos Earp, Doc Holliday, irmãos Clanton, Gerônimo, Dust (Natché – N. C.: Na história é grafado Natchéz), Johnny Ringo, Dorée Malone, Strawfield, Campbell, Billy.

N. C.: copilado dos textos, em cujos o autor não citou alguns personagens importantes, como, por exemplo, os irmãos Mc Lowery, o Reverendo Younger e a sua filha Caroline, do ciclo Mister Blueberry (ou ciclo O.K. Corral, ou ciclo Tombstone).


Ciclo Mister Blueberry: cinco álbuns, publicados de 1995 a 2005, cujos quatro primeiros comportam 46 pranchas e o último 68, são um conjunto impressionante de 252 pranchas.

No primeiro episódio, "O Segredo de Blueberry", do álbum "A Juventude de Blueberry", Mike Steve Donovan, um sulista refugiado entre os "yankees", decide, avistando uma moita de mirtilos, de se chamar doravante Blueberry. Nasce uma lenda.

No terceiro volume da série "A Juventude de Blueberry", no episódio "Jogo Duplo", o General Dodge promove o soldado Blueberry a Tenente.

Arnaud de la Croix lista os ciclos conforme os lançamentos dos álbuns, o de "A Juventude de Blueberry", é geralmente inserido após aqueles da série "Blueberry". O autor considerou as histórias isoladas e fora de ciclo – "O Homem da Estrela de Prata" e "Arizona Love" – como ciclos e não abordou a série/ciclo "Marshal Blueberry" (talvez por não ter sido escrita por Charlier e/ou desenhada por Giraud; ou por não a considerar como um ciclo).

Os triângulos amorosos se sucedem na série "Blueberry": Mike, embora galanteador, desiste, em três ocasiões, de uma mulher, para que ela se case com outro: Miss Dickson (Tenente Graig), Chini (Vittorio) e Lily "Chihuahua Pearl" Calloway (Duke Stanton).

O General Allister pretendia assassinar o Presidente Grant e instaurar uma ditadura militar nos Estados Unidos.

Pearl, além de Claudine Giraud, foi inspirada na polpuda Jayne Mansfield - um tempo rival de Marilyn Monroe – no filme "La Blonde et le sheriff" (1958) de Raoul Walsh (N. C.: "The Sheriff of Fractured Jaw", título original; “Apuros de um Xerife”, no Brasil).

Somado a Johnny Ringo, existe outro psicopata na série "Blueberry": Eggskull, matador de Índios – Ciclo do Segundo Complô Contra Grant. O Crepúsculo da Nação Apache.

O Ciclo O. K. Corral se passa em 1881, enquanto a história anterior, na primeira edição, "Arizona Love", em 1889. Foi uma homenagem de Jean Giraud ao ano da morte de Jean-Michel Charlier, 1989 – na reedição, a data, de “Arizona Love”, foi corrigida: fim de 1872. Na cronologia dos episódios, Mike Blueberry, após se separar de Pearl, reaparece em Tombstone.

Fontes das imagens: BDnet: capa, páginas 3 e 104, contracapa; Dargaud: página 22; Doctor Macro: página 62 (Jayne Mansfield); Strip Speciaal Zaak: página 62 (Chihuahua Pearl); William Stout: página 92; Afrânio Braga: parte de sua BBteca.

Blueberry, Une Légende de l’Ouest © Arnaud de la Croix, Point Image – JVDH 2007

Blueberry © Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur

Afrânio Braga


7 comentários:

  1. Devo dizer que o seu blog me tem sido extremamente útil já que por divers´ão publico textos de BD no facebook. Chihuahua Pearl é a grande criação feminina da série e bem gostaria que Charlier não tivesse morrido tão cedo e o final de "Arizona Love" tivesse sido o que planeava. Pergunto-lhe se no seu blog tem algum texto centrado em Pearl. E parabéns pela qualidade do blog!

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    1. Dilecto João, eu agradeço as suas palavras que são incentivadoras para o prosseguimento do melhor blogue do mundo sobre o universo de Blueberry. Quiçá Jean-Michel Charlier tivesse planeado um final feliz para Mike e Pearl, quiçá... Um artigo do BB sobre a mais famosa namorada blueberryana: https://blueberrybr.blogspot.com/2021/09/50-anos-de-chihuahua-pearl-1971-2021.html

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    2. Obrigado, mas li em qualquer lado que Charlier considerava Pearl "une trainée" que em bom portguês significa uma putéfia...Gir terá alterado o final previsto por Charlier no qual Pearl limpava Blueberry ficando este outra vez sem nada. Pessoalmente preferia esse final, até porque Charlier planeava certamente um caminho diferente para a saga, mas Giraud considerava Pearl uma mulher excepcional e dizia também que a noite de amor de ambos tinha consequências o que prefigurava um prefigurava um filho e um novo encontro com Pearl, talvez uma ideia de Charlier que devia ter durado pelo menos mais 10 anos....

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    3. No final do artigo sobre os 50 anos de Pearl há quatro links sobre outros artigos com a bela loira. Outra postagem do BB de algumas informações sobre a beldade mais famosa da BD western: https://blueberrybr.blogspot.com/2013/06/inspiracoes-de-charlier-e-de-giraud.html
      De facto, Jean Giraud alterou o roteiro de "Arizona Love"; eu considero que os criadores de Blueberry levaram a personagem para longe desse face apresentarem ela como uma mulher mais apegada ao dinheiro do que ao amor e que preferiu a riqueza de Duke Stanton do que uma vida mais simples com o tenente reformado.

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  2. Estive a rever as páginas com Pearl, que são excepcionais, quando em "La longue marche" é obrigada a colaborar na libertação de Blueberry e nos diálogos com este o racional dela, uma vida de rica em sociedade, levam avante relativamente a uma atração por Blueberry. Já agora se quiser ler parvoíces vá ao meu facebook em nome de Joao Salvador Marques.

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  3. A minha fonte é o texto do volume da integral que publica "Arizona Love" e para mim é credível. E olhe que memo Giraud que a considerava uma mulher excepcional e era, mostra-a a ficar com Blueberry se ele fizer a vida que ela quer e quando houve falar num rancho acabou-se o romance...
    Nisto tudo o homem de direita Charlier tende a desconsidera-la, une trainée, o homem de esquerda Giraud tende a recupera-la. Pena Charlier ter falecido cedo...

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